quarta-feira, 8 de julho de 2015

MÍSTICO

(...) Depois que o chá verde ficou pronto pousei-o na mesa esperando que mornasse e fiquei mirando as labaredas da lareira como se estivesse hipnotizado. Minhas lembranças transcenderam e eu via naquele fogo um imponente galo selvagem e um cavalo branco. A minha biblioteca rapidamente seria doada logo que saísse dali. (Como bem aconteceu). Eu não sou de colecionar objetos e um livro só tem muitas letras onde o melhor é guarda-las na cachola. Porém gosto de conchas e estas as carrego sempre para onde parto. Lembrei ainda ao ver o fogo, das estradas onde passei, até mesmo as navegações que fiz e os sobrevoos impacientes por terra e água. Quanto ao ar, me fascinam os incensos, sejam da Índia ou das árvores e flores dos bosques que mesmo invisíveis pareciam sair do fogo como salamandras que salpicavam lufadas de cheiro. O chá ia diminuindo no copo, mas havia mais na chaleira e na dispensa. Era inverno, véspera de Natal, eu estava sozinho como muitos outros natais que assim passei. No canto da sala subia uma pirâmide incompleta de brinquedo e sobre a borda do móvel dos livros um Buda branco, grande e sorridente parecia satisfeito. Lá fora o dia terminava amarelo - alaranjado, as outras casas também lançavam fumo pela chaminé e no monte a frente dois grandes Santuários, um de ouro, outro de prata. Eu vivia num templo como um velho numa torre inabalável, porque havia escadas e na parede frente à porta destrancada estava pendurada uma espada. Por fim descobri que se eu levasse as conchas, os livros ficariam para serem doados. Se eu quebrasse a espada, o Buda continuaria sorrindo. O chá, numa ou duas goladas findava. O fogo sem madeira apagava. A pirâmide só um novo filho poderá termina-la. E assim desceria aquelas escadas, passaria as mãos no ouro e na prata sem contaminar-me, para tornar-me novamente novo, procurando aromas divinos, vendo a cor e a dor do povo festivo, destinado a uma nova jornada, com a peitoral estufada de um galo insistente ou as galopadas nobres de um cavalo branco, sobre a terra, frente às águas, com a pura inspiração do ar, onde o fogo – e o chá verde – com certeza voltarão me fazer lembrar (...)

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