Se você soubesse que a noite passa e
amanhã pode não chegar, talvez se entregasse no primeiro pedido que a
fiz. Entregue a mim você saberia que gosto de todas as ruas por onde
passo, inclusive aquelas esburacadas, empinadas, cheias ou vazias,
quando estou ao seu lado. Sendo a chuva dona dos meus lábios, talvez
queria ser você a mesma vinda do alto, rala e que molhou a minha boca,
começando por lamber a lã da minha cabeça, depois pingar num olho que
me fez piscar diante do seu rosto. Lado a lado saberia que meu barco é o
próprio mar, meu cavalo ainda cresce e por mais que tenha o nome de uma
ave que não voa, ele galopa armado dos cascos aos dentes. Se a chuva
não tivesse caído eu continuaria a desejar seu rosto, seu sorriso e seu
olhar, e não trocaria por licores ou manjares divinos, tudo, porque a
vida tem um poder arrebatador que se manifesta em forma de empatia e
logo num instante transforma em paixão ao ponto de conectar os corpos e
assim deixar-nos mais fortes. Mas foi a chuva que me beijou enquanto a
Pentecoste se esforçava por comunicar um agrado sabedor de muitos ritos
porém incapaz de te conquistar definitivamente. Não culpo a chuva, mas
culpo o fato de me ter separado dos seus lábios sem ter-me atirado a si
como a própria chuva se atirou a mim. Para mim é um fato tão árduo pois
adia, mesmo por um dia, o novo rumo desejado, talvez também por si, que
não se importa dividir a minha vida com a própria chuva. Se você
soubesse que amanhã pode nunca chegar, talvez, queria ser você a água do
céu. Ela viajou, tocou-me e escorreu para se perder como agulha no
palheiro ou gota no oceano. Contudo o seu beijo é diferente, porque
marca e é capaz de iniciar uma nova história tal como o farol conduz os
navegantes às novas descobertas. Sabido disso, espero que me venha como a
chuva, que seja rápida e não espere que lhe peça uma gota, já
banhando-me com seus pingos. Pois estou mirando a luz que me atrai a si,
mesmo que agora esteja em terra firme, seco e só.