sábado, 30 de abril de 2016

MARINHO

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Eu escrevi para o Paulo Coelho mas ele não me respondeu. Contudo fui ter com o Velho da Torre que me disse assim: "Quem brinca com fogo faz xixi na cama". Já que assumi ser autor, confesso, sem vergonha, que fiz xixi na cama até aos 13 anos mais ou menos, e de fato eu brincava muito com fogo. Problemas resolvidos no passado, hoje, parece que estou ateando fogo em alguma coisa. Não faço xixi na cama, durmo mal pra caramba, de vez em quando arranjo um cobertor de pele lisa e, eu tenho que explicar a minha contusão. Na verdade não foi uma contusão... Era o ano de 2005, eu havia sido selecionado para trabalhar num programa de proteção de mamíferos marinhos e monitoria de pescas no grupo central dos Açores. Embarquei num atuneiro (barco) chamado "Grumete Silva" na ilha do Pico. O mestre da embarcação curiosamente chamava José Nunes. Lembro que enquanto o barco saía do porto a água estava calma, eu já usava binóculos, tinha o GPS em mãos, medidores, planilhas, todo equipado como um biólogo marinho na ativa. O primeiro dia estive nas pontes de verão e inverno e nos dois lados dos bordos da embarcação a cumprir as metodologias do trabalho. Contudo o mar não pára nunca. Nem quando está azeite (calmo). Nos três dias que se seguiram fui tomado por uma dor intensa na coluna vertebral, na altura das tais sacrais. Eu devo ser o primeiro dos "homo erectus". No último dia embarcado já não estava em pé no barco. Foi então que fiz um pedido emergencial ao mestre da embarcação para colocar-me em terra firme. Estávamos na ilha Terceira (Ilha Jesus Cristo), num dos maiores portos, a Praia da Vitória, de Portugal. O mestre não alinhou o barco paralelo ao cais como normalmente. Ele embicou a proa junto ao cais como se o barco estivesse de frente, quase encostado ao cimento. Eu estava na ponta, pronto a desembarcar. Os pescadores me ajudavam e se despediam. Bastava eu dar um passo à frente para pisar em terra firme. E assim o fiz. Cheguei à Ilha Terceira, em Angra do Heroísmo, do outro lado da ilha após uma boleia (carona) numa camioneta de leite durante a noite das Festas de SanJoaninas. Mas fui direto para o hospital onde passei as próximas horas dopado contra a dor. Então pela manhã eu voltei à Praia da Vitória, para então embarcar num cruzeiro (grande embarcação) que me levou à ilha de origem do meu embarque.... Só depois de um mês e meio eu voltei a jogar bola. Antes, fui destacado para organizar os dados dos observadores ativos numa plataforma digital, mas nunca esqueci as tartarugas marinhas, os atuns bonitos e os peixes voadores. Lembro das douradas, dos espadartes no jantar, das cavalas, das sardinhas, dos carapaus, lembro dos cagarros (aves), os golfinhos roazes e da única baleia piloto que vi. Hoje, eu avisei aos meus amigos e coordenadores de trabalho que irei me desligar. Porque eu tenho que embarcar novamente, para desembarcar num outro porto, maravilha, naturalmente.
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