sábado, 28 de janeiro de 2017

CRÔNICA: O BOBO ÍNDIO

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Mais uma vez saí para a noite, não com intuito de demorar muito, eu tinha um destino alto e até lá fui. Depois desci, com a única coisa que ainda carrego no bolso útil, rico apenas disso. Havia na avenida um som maneiro, de um velho amigo, na verdade gordinho um pouco mais que eu, mas tocante, cantante igual ou melhor aos outros bons tocantes e cantantes da cidade. Minha flauta não paga muita coisa, digo desde já, quando sopro, gera algum atento, as pessoas travam o gole, paralisam a mastigação, as pessoas ficam um pouco mais simpáticas momentaneamente, mas logo voltam às suas outras observações. Nessa noite encontrei com um índio, como em outras noites o encontrei. Num bate papo quente ali na beira rua pedi a ele, apenas uma vez, um trago na cerveja. Sorrindo o índio me negava repetindo a negativa como se aquilo para ele fosse o máximo. O índio tinha feito essa ironia outra vez noutra noite quando lhe pedi também apenas uma vez um trago de cigarro. Ele se eleva quando me nega. Enquanto eu fico inalterado. O fato é que em outras ocasiões, o índio também me pede, justamente aquela minha riqueza que vai à mão e à boca para o sopro. Pois, esse índio também é um bom tocador de flauta. Na livraria mesmo, num sebo da cidade, há poucos dias passados ele me pediu: “Me deixa tocar a flauta?”. E eu, como sempre inalterado nunca o recusava. Diria agora àquele índio se ele sabe sobre a lei da roda gigante. Uma hora a gente está lá em cima, noutra hora lá em embaixo. Sabendo disso, eu, não me afeto com as posições, seja lá em cima ou lá embaixo, o sim e o não, o dia e a noite, o preto e o branco, (a mulher já me altera um pouco) de resto não me altero. Agora, estou decidindo aqui comigo o que farei quando o índio me pedir a flauta novamente. Talvez lhe mande para o quinto dos infernos ou se calhar oficializo seu chapéu bouffon. E eu, ainda continuarei inalterado.
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