sexta-feira, 13 de julho de 2018

OS PÉS VIRADOS PARA TRÁS

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As crônicas acontecem todos os dias. Mas, hoje é sexta-feira 13, e para os mais místicos essa combinação significa muitas coisas. Na verdade as crônicas acontecem mesmo que estejamos sozinhos numa montanha ou no meio de uma multidão. De qualquer maneira algo acontece, seja o vento a trazer sementes aladas ou movimentos da massa em progresso, conquistas ou escolhas para qualquer representação. Tenho passado dias felizes em trabalho, esforço do corpo e da mente, vendo bichos de perto, conversado com gentes antigas, de todas as espécies e poderes, podado as orelhas das trilhas, precavendo fogos na mata, escrevendo textos do alto a fim de realizar coisas palpáveis, tenho aprendido com o mato e os mateiros amigos. Vou para uma floresta pela manhã com a flauta na mochila, uns pães com queijo e porco, bebo chás dali mesmo e sinto incensos opostos aos cheiros que os gambás deixam no ninho. Mas como essa é uma crônica, na volta pra casa, já com o sol dormente, passei numa loja de produtos agrícolas para conversar sobre o fabrico de um prato de pedra para acoplar na torneira da rotunda e servir de bebedouro para os animais silvestres, principalmente nos tempos de seca. Durante o pouco tempo que estive na bancada a conversar sobre o assunto com o dono, chegaram pois mais pessoas e uma delas um senhor de meia idade da raça negra que se posicionou bem atrás de mim e sinceramente tenho que lembrar de Portugal, das senhoras que ficavam bem coladas à minha costa nas filas dos mercados... E no momento em que fui sair, virei-me quase a pisar na pessoa de tão próximo ao meu corpo, tendo aquele senhor agora parado à minha frente impedindo a passagem. Com toda educação que me sobra, graças aos meus pais e outros mestres disse-lhe assim: "Senhor, deixa-me passar por favor". O homem me respondeu dizendo para eu não ficar nervoso como se eu estivesse, iniciando um alarde falso e exagerado: "Não precisa ficar nervoso". E repetiu: "Não precisa ficar nervoso". Porém como um raio, respondi ainda calmo e com a voz rouca habitual, quase sorrindo para todos os ouvintes: "Senhor, se eu estivesse nervoso não estava ninguém aqui". Ele apenas resmungou um som qualquer e eu segui o meu caminho. Sem martelar tanto a minha cabeça aquela segunda frase minha bate como se fosse um martírio, por ter parecido estar nervoso quando não estava e ainda revelar as consequências da minha ira. MORAL DA HISTÓRIA: O simples pode tornar-se subitamente complexo. A gente pode "matar" ou "ser morto" num piscar de olhos. E que Deus perdoe as nossas ofensas.
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