domingo, 3 de abril de 2022

UM GRAN CAPÍTULO

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Na véspera de completar o 39º ciclo de vida após nascer, mais os meses de gestação e natação, lembro-me hoje das andanças do Caminho de Santiago de Compostela. Lembro-me de ter cruzado uma porção do atlântico norte num navio mercante, traçando a Macaronésia rumo ao continente. Lembro-me da primeira peregrinação quase sozinho por todo o caminho, exceto nos dois últimos dias, o Conselheiro de outubro e princípios de novembro. E lembro-me porque meus 39 anos chegam com a cabeça calibrada, e que justamente por lembrar das vezes que percorri o Caminho de Santiago, mostra ao próprio ego ou consciência – quanto de satisfação já se viveu dentre tantas outras sensações, a imaginar ainda o quanto ainda irei viver a percorrer caminhos. Então, lembro-me das feiras de cavalos na Vila de Teo, do último dia para um cavaleiro trocar sua gaita por um pangaré. Lembro-me das pedras brancas e do cavalo branco. Lembro-me do pingente de ouro e do anjo junto à concha e a flor no peito e ventre da madre. Lembro-me das beldades do caminho, das lindas paisagens que se passava por elas. Registrou na memória, por isso lembro, pois era possível se ver dentro delas, inesquecível. Lembro-me das bandeiras nas praças, dos sotaques do mundo, das massagens, das dádivas e suportes do corpo e do espírito. Lembro-me dos sopros por todos os anos, do embornal, dos tragos e mastigações. Lembro-me dos cafés, das manhãs com cheiros de frutos nos campos e cidades. Lembro-me dos sinos, dos trilhos ultrapassados, das estradas, pontes até de viadutos. Lembro-me das serras, das bruxas, dos bichos, das magias protetoras dos conxúrios da Galícia. Lembro-me dos festivais, das ovelhas, das reproduções nos campos e fronteiras, das cruzes e naves das igrejas. Lembro-me dos peregrinos e dos turistas, dos pagadores de promessas, dos artistas e da qualidade de vida que é caminhar até um lugar por dias... Lembro-me dos menus, dos beliscos, das feitorias, dos vinhos, dos pães e da água. Lembro-me do suor de todos os dias, do poder de Cristo, dos rituais humanos e da natureza, da fumaça da Catedral, das oferendas mais simples e da obtenção que é uma vontade imensa de a cada passo conquistar, corrigir, construir e viver feliz.
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