terça-feira, 14 de março de 2023

A CIDADE DIRIGIDA II

Em Braga eu cheguei pela primeira vez a pé. Vinha iniciado na rota litorânea portuguesa para Santiago. Na minha esquerda o mar, na minha frente pontes, na minha direita árvores e atrás de mim cidades velhas e suas povoações. Cruzei no mapa uma diagonal para o centro e observava um tanto imenso muita coisa do continente a cada passo. Era a primeira vez que eu explorava a terra firme e fazia com vigor rumo ao norte da coroa da península ibérica. Fazia tanto calor antes de chegar em Braga, que uma senhora que molhava a varanda de casa me esguichou um tanto por pedir aquela água em mim. E as crianças que estavam próximas sorrindo pediram também à dona que lhes molhassem. Na noite anterior eu havia dormido em Barcelos. Havia chegado de noite em Barcelos e dormido num “pague e apague” tão profundamente que nem um grito gigantesco que ecoasse no espaço me acordaria de súbito. Porém de manhã lembrei-me do grito, afinal estava na cidade do galo, onde há, pois contos sobre milagres na hora da sentença de morte. Pesquisa-se. Vivo e acordado, já pela janela do leito vi altas cruzes decoradas em fileiras sobre a praça. Logo desci para um café mirando um lindo jardim onde passei para seguir para Braga. Não sabia que depois, naquela cidade habitaria em família, casas. Mas sabia que era a cidade dos Bispos e tinha lá amigos a estudar psicologia. Alguns das próprias ilhas outros que lá moraram. Eu estava na ilha (São Miguel), havia saído não para enxergá-la, nem a mim, mas para entregar uma carta que contava ser necessário (ainda) armar (tornar) cavaleiro da ordem e rumar junto com outros mestres para uma terra nas proximidades de Taramundi, nas Astúrias. Ali se fincaria uma bandeira com 6 símbolos, e assim um novo rumo se faria. Há, entregue na Catedral de Santiago, na Galiza, um dizer sobre essa busca que decorre, talvez o querer tanto dum terreno para projetar malocas que abriguem as boas almas que me guiam desde sempre até agora, junto da força da flora, da fauna, dos fixos e dos vivos que sempre recriam. Braga viria ser a cidade que morei e lembro sempre dela ainda que agora esteja diferente. Eram tempos de juventude ainda a primeira vez que cheguei a Braga e as histórias que havia vivido antes contava aos mais próximos, que de certo modo faziam parte, revivendo e recriando em Braga. Como o tempo passa... Em Braga vivi por quase 5 anos intensivos a fotografar, escrever, caminhar, absorvendo tudo que me davam, até espadas, cantos, sinos, cartas, avenidas e montes luminosos onde formam-se exorcistas, lembram as igrejas do ouro de Minas, até bostas de cães e cuspes, mal cheiro, gente fula, e ruas aos pedaços milenares. Imagine o “Rans o Zinza”, reclamando de uma cidade tão antiga d'antes do Império de Roma. E tudo que eu entregava, como esse texto agora. Há um portal de pedra em Braga, onde toda vez que eu saía e entrava a pé pela cidade tocava-lhe um dos pilares com a mão. Dali em diante eu rezava, pensava, chorava, sorria, observava, sentia o mundo aberto toda vez que saía ou entrava em Braga. Fazia isso desde a primeira vez que entrei a pé em Braga, por isso mesmo não me esqueço do calor que fazia quando cheguei e do frio que depois veio, de todas as estações, das praças frutíferas, do batismo de Iara, das cores que continha, dos castelos, torres e muradas, da fumaça dos pinhões, de todas as criações, construções e também as destruições (no sentido físico e humanístico).

Trecho de pesquisas: A imagem da Cidade, de Kevin Lynch
"A cidade não é apenas um objeto perceptível (e talvez apreciado) por milhões de pessoas das mais variadas classes sociais e pelos mais variados tipos de personalidades, mas é o produto de muitos construtores que constantemente modificam a estrutura por razões particulares. Se, por um lado podem manter-se as linhas gerais, exteriores, por outro, há uma constante mudança no pormenor. Apenas parcialmente é possível controlar o seu crescimento e sua forma. Não existe um resultado final, mas somente uma contínua sucessão de fases. Assim, não podemos admirar-nos pelo fato de a arte dar forma às cidades, visando um prazer estético, está/estar bastante distante da arquitetura, da música ou da literatura. Pode aproveitar delas grandes contributos, mas não imitá-las." (1960).

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